Breves reflexões
Sobre trilhas e estradas...
As estradas nos convencem da sua segurança. Alguém já trabalhou duro e correu riscos para que você pudesse usufruir do conforto daquele asfalto lisinho.
As estradas estão prontas, perfeitamente acabadas.
Estradas são caminhos muito usados. Alguém decidiu que aquele era o melhor caminho e fez uma estrada ali.
Quando andamos pelas estradas não nos damos conta das centenas de perguntas que não nos fazemos pois as respostas já estão ali, mastigadinhas.
Mas quando andamos pelas trilhas é muito diferente...
Na trilha o medo se apresenta e precisamos ter cuidado. Cada passo é dado com cuidado pois existem riscos. É necessário atenção ao caminho.
Na trilha você chega até onde o seu esforço consegue te levar.
Na trilha você precisa fazer perguntas, pois tudo está se transformando o tempo todo: o caminho, a paisagem, os encontros, os riscos e até você.
Na trilha nos damos conta de como nos perdemos nas estradas...
Sobre as carências...
Nossas carências buscam o reconhecimento do nosso valor no olhar do outro. Este reconhecimento, como uma migalha, não nos alimenta, continuamos sentindo fome e querendo sempre mais.
Este é o caminho para a obsessão!
Podemos gastar muito tempo nesta dinâmica até acharmos que juntamos migalhas o suficiente para nos alimentar. Será que a saciedade realmente acontece?
Dificilmente sentimos satisfação nas dinâmicas proposta pela carência. Normalmente ficamos com a sensação de falta e de que precisamos de cada vez mais.
Nossas carências insaciáveis podem nos levar a devorar a nossa saúde e as nossas relações.
As carências falam de necessidades que precisam ser cuidadas por nós mesmos e não pelos outros. As nossas necessidades são nossa responsabilidade.
Como podemos ser os portadores do valor que esperamos que venha do reconhecimento dos outros?
Sobre o Certo...
Podemos agir e repetir atitudes sem nos perguntarmos se representam a nossa interioridade e se tem significados e sentidos para a nossa vida.
Podemos nos ocupar com ciclos de repetição sem despertarmos nossa dúvida e interesse para atualizá-los.
É um risco repetir roboticamente o que aprendemos que era o “certo” sem nos questionarmos sobre o efeito que isso provoca.
Muitas vezes é pela insegurança que nos agarrarmos cegamente em certezas e acabamos não nos assegurando na nossa própria capacidade de lidar com a vida e sentir medo.
Por mais angustiante que seja, “não saber” é algo muito precioso e é importante criar intimidade com esta sensação. O Não sei é uma morada para a abertura.
A intimidade com a abertura é também a intimidade com a possibilidade de mudança.
Sobre a inibição...
Podemos passar muito tempo sem expressar o que sentimos.
Por algum motivo nos convencemos de que a nossa expressão não é necessária. Assim, poupamos o mundo da nossa presença e nos poupamos do esforço que é o exercício de se expressar.
Este movimento vai na direção oposta do caminho natural que a vida propõe.
Se estamos vivos, agora e neste mundo, a nossa presença é um trabalho proposto pela vida para cada um de nós.
A expressão de si não é uma questão de escolha e sim uma necessidade.
Não podemos escolher nos expressar ou não. O que podemos e devemos escolher é como fazer.
Como posso me expressar em um bom acordo com a minha interioridade, neste lugar, com estas relações?
Texto sobre o filme: A Chegada
Como lidar com a chegada do desconhecido?
Vejo o filme trazendo esta pergunta e mostrando duas formas de lidar com o desconhecido. A primeira e mais óbvia é o controle: armar as defesas a partir do medo do que não conhecemos. O controle fica bem simbolizado no filme pelo exército americano e todo o seu paramento de proteção.
A outra forma é apresentada no filme pela postura de uma mulher linguista que se mostra interessada em aprender. Ela vai se despindo das suas defesas e vai se entregando à aventura de dialogar com o desconhecido.
Se permitir esse diálogo exige muito dela, não é nada fácil e parece ter muito sentido. Ela beira a loucura dialogando com o tempo.
O filme, além de fazer uma reflexão sobre a linguagem e seu impacto na nossa presença e percepção, fala também de entrega a um propósito.
Texto inspirado no episódio "San Junipero" série Black Mirror
Até onde somos capazes de ir em busca de prazer?
Vale a pena envelhecer na adolescência?
Achamos que é possível viver só de prazer e nos afastamos do contato com a dor.
Diversão, conforto, entretenimento, passatempos...
Passamos o tempo nos distraindo com os pequenos prazeres da vida, nos mantendo pouco comprometidos com esforços maiores.
Às vezes nos ocupamos com falsos esforços criados pelo nosso controle e fugimos dos que são verdadeiramente propostos pela vida.
Assim, acaba ficando a encargo da dor e do sofrimento serem os professores do valor do tempo. Dificilmente banalizamos a vida quando estamos implicados pela dor.
A realidade é que o tempo passa e somos nós que decidimos o quanto nos empenhamos em valorizar ou banalizar a sua passagem.
"Os homens envelhecem mas nem sempre amadurecem." Alphonse Daudet
"Muitos morrem tarde demais, e alguns morrem cedo demais. Ainda parece estranho o ensinamento: "Morre no tempo certo!".
Morre no tempo certo: assim ensina Zaratustra.
Sim, mas quem jamais vive no tempo certo, como poderia morrer no tempo certo? Oxalá não tivesse nascido! – Assim recomendo eu aos supérfluos.
Mas também os supérfluos dão grande peso à sua morte, e também a noz mais vazia deseja ser quebrada.
Todos dão grande peso ao fato de morrer: mas a morte ainda não é uma festa. Os homens ainda não aprenderam como consagrar as mais bonitas festas." Nietzsche em Assim falou Zaratustra
Sobre relações sombrias
Vamos combinar assim?
eu te exalto e você me exalta;
eu te elogio e você me elogia,
eu te suporto e você me suporta.
Assim nos sentimos leves e a angústia fica bem longe.
Quando ficar insuportável? Rompemos,
eu falo mal de você e você fala mal de mim.
Mantemos a responsabilidade na conta do outro.
Depois buscamos alguém para fazer o mesmo pacto e assim seguimos. Vamos devastando tudo a nossa volta, mas ficamos bem e é isso o que importa!
Não vem me incomodar com esse papo de sombra, lixo, rastro de destruição!
Podemos mandar isso para bem longe? Para outro planeta? Não? Precisamos mesmo olhar? Cuidar?